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Caros colegas,
A excelência é como alguém que nos vai envolvendo sem nunca se entregar, é algo que nos atrai intensamente sem que se deixe atingir, é um ponto algures entre a motivação absoluta, a exigência determinada e a insatisfação permanente.
A excelência é o paradigma final da qualidade. É a qualidade sempre, a qualidade em todos e em tudo, a qualidade no seu grau mais elevado de perfeição, de seriedade, de sentido ético e de consciência. A excelência é um caminho inesgotável de exigência, é uma autodisciplina de respeito por aquele que connosco contrata.
A excelência é uma cultura, é um compromisso, que as organizações têm ou não têm. Começa na selecção criteriosa das pessoas, prossegue por mecanismos de controlo e avaliação permanentes e passa por lideranças capazes de manter a motivação do conjunto.Conseguir um profissional excelente é fácil. Difícil é obter uma organização de excelência.
A excelência é, por isso, uma armadilha, porque é insaciável, porque exige tudo sempre, porque desaparece para outra exigência de cada vez que parece alcançada, porque é pressionante e não se dilui nunca, porque se interioriza e se confunde com a própria pessoa, confundindo-a com o seu próprio trabalho.
A excelência não pode ser abandonada a si própria. Para vencer, o Homem arrisca a perder-se a si mesmo e nenhum sistema vale a pena se assim for.
É aqui que entra a humanidade. Humanidade é, antes de tudo, a consciência do essencial em nós. O essencial, no ser humano, é a sua necessidade de amar e ser amado, de dar e de se entregar. Não é idealismo, é assim. O ser humano pode estar, em grande medida, destruído, alienado, «stressado», esquecido de si mesmo, mas é isto que ele é. Como a excelência, a humanidade é também um caminho inesgotável de exigência e um exercício paciente e humilde de confrontação da consciência e de respeito pelos outros.
Humanidade e excelência são dois horizontes que nunca alcançamos verdadeiramente, mas são os horizontes que, a par, nos devem atrair.
Se só olharmos a dimensão da humanidade e esquecermos as exigências da excelência, o nosso empreendimento vai à falência; se só olharmos as exigências da excelência e esquecermos a dimensão da humanidade, a vida torna-se um deserto e somos nós, ou os outros, ou ambos, a ir à falência.

Serve este intróito, da autoria de António Pinto Leite, para me abalançar na discussão sobre Carenque/Foz Côa/estado do país em geral. Confesso que hesitei muito em começar: primeiro porque me parece que poderei ser demasiado extenso e maçudo para me fazer compreender; segundo, porque não tenho a certeza de que me compreendam (e é humano gostar de ser amado); terceiro, pela delicadeza do assunto.
Devo dizer que, por paradoxal que possa parecer, concordo simultaneamente com o MST e com o nosso estimado J.Dinis. E também discordo de ambos.
Diria que o pensamento de Jorge Dinis é excelente... e são humanas as criticas de M.Sousa Tavares.
Estas coisas fazem pensar. E quando pensamos surgem perguntas chatas e constatações inconvenientes. Somos uma nação com feitos grandiosos... e muitos bem mesquinhos! Vivemos quase todos, e quase sempre, acima das nossas possibilidades. Quase todos gostam de fazer parecer que estão mais e melhor do que o que estão... ou então a conversa do coitadinho! Quase nunca agimos com excelência e humanidade. Umas vezes com excelência, outras com humanidade. Quando nem com uma nem com outra, miseráveis e mesquinhos. É perigoso generalizar, eu sei. Adiante.
Gastou-se 1.000.000 de contos (ou mais) a salvar Carenque. Alguém sabe quanta investigação científica, quantas pistas de dinossauros e dinossauros seriam descobertos, quantos jovens investigadores seriam iniciados na Geologia e Paleontologia, quanto equipamento novo se poderia adquirir, quantos jipes para trabalho de campo poderiamos ter , quantos museus locais de geologia e paleontologia se poderiam fazer... com um milhão de contos ??
As pistas da Carenque valem 1 milhão de contos (para estarem atulhadas) ? As pegadas são tão preclaras que ilustram uma espécie concreta e definida (ou desconhecida) de dinossauro ? O valor dum trilho e' exponencialmente proporcional a' sua extensão ?
Acicatada por alguns, permitiu a emoção colectiva nacional, encontrar alternativas mais de acordo com o estado carenciado do nosso querido país? Alguém pensou em fazer moldes em acrílico dos trilhos mais significativos? Cobrir com um telhado uma parte mais económica ? Filmar e documentar os trilhos e construir uma realidade virtual de Carenque, ao dispôr de todo o mundo através da internet?
Sinceramente, acho que a humanidade do Prof. Galopim de Carvalho (a sua necessidade de amar e ser amado, de dar e de se entregar. Não é idealismo, é assim.) venceu as exigências da excelência (rigor científico, autodisciplina para boa aplicação dos recursos, respeito por quem connosco contrata -- público e Estado --, seriedade, sentido ético).
Foz Côa... debaixo de água. O conjunto tem interesse como aspecto de manifestações artísticas de emoção humana. Fez-se uma batalha monumental para comprovar forçadamente que eram do Paleolítico! Estraçalhou-se quem disse que não, que eram do Neolítico mais recente. Ninguém quer saber de que os dados paleontológicos (análise da formas animais representadas) também infirmam a datação mais antiga. Para o povo que visita Foz Côa tanto se lhe da', mais milhão menos milhar. Foz Côa não deixa de ser mais uma megalomania, não deixa de ser de certo modo fraudulento. Não teria sido possível compatibilizar tudo e construir também a barragem ?? E já viram a força desproporcionada dos arqueólogos relativamente à dos geólogos ?? Não que a deles esteja mal, a nossa é que está péssima.
Estou farto de pegadas atulhadas, de passeios esburacados, de esperas desnecessárias nas repartições públicas, do marketing enganador dos presidentes de câmara, das listas de espera nos hospitais, da injustiça dos tribunais. Estou farto de ver o país a andar para trás e muitas pessoas a sofrer. Caros colegas, estimados leitores, assentemos os pés no solo pátrio: vejamos o subdesenvolvimento, o péssimo ordenamento e planeamento, a incultura geral, a falta de uma bem formada consciência nacional cívica e ética. Deixemo-nos de magalomanias, sejamos cada vez mais exigentes connosco e com os outros, apliquemos cada 200.482 escudos como se se tratasse de um milhão de contos, sejamos sérios e honestos. Trabalhamos para essa coisa que amamos e odiamos chamada Estado. Se exigimos excelência e humanidade do Estado, dêmos-lhe excelência e humanidade.
Temos ainda o dever de procurar (e estimular a) ajuda da iniciativa privada no financiamento da investigação e divulgação científica. Não haverá nenhum mecenas que queira pagar a musealização de Carenque (já que se gastou 1 Mc) ? Não se conseguirá convencer algum, de que visitas de milhares de criancinhas e pais, acumuladas ao longo do tempo, poderão dar lucro... pelo menos justificar o dinheiro gasto ? (É que nos clubes de futebol parece que a visita dos fans dá bastante lucro!!)
O próprio Estado não colocará demasiados entraves, burocráticos e outros, à iniciativa privada neste tipo de coisas?

Saudações geológicas... (e perdoem-me, se for caso disso).

Paulo Legoinha - Univ. Nova de Lisboa (Abril/2001)


Caros colegas Geoporianos,
Tentarei não me alongar (ainda que, provavelmente, venha a ser mal sucedido).

A propósito da questão de Carenque/Foz Côa apenas tenho alguns comentários a fazer.

1) Questiona-se a justeza da aplicação de "tanto" dinheiro na salvaguarda de pegadas de dinossáurio ou de gravuras rupestres, tanto umas como outras, digam o que disserem com inegável valor científico e cultural, tenham que idade tiverem! (Pelo que são, mas sobretudo pelo que representam enquanto exemplos de salvaguarda do património nacional.) O que são essas quantias comparadas com o que anualmente se perde por fuga ao fisco, por dívidas à segurança social, por perda de recursos e de força de trabalho devido a acidentes laborais e rodoviários, por buracos orçamentais de obras megalómanas e de futuro incerto? Argumentar que "o dinheiro das pegadas" faz falta ao País é falacioso. O que faz falta ao País são as centenas de milhões de contos que fica todos os anos, ilegalmente, nos bolsos de meia dúzia em prejuízo de todos. Mas claro que é bem mais fácil apontar o dedo às pegadas. É que no caso das pegadas, parece que só há um "culpado", o seu nome é bem conhecido
e, além do mais, não tem milhares de adeptos ao berros num estádio a aplaudi-lo (no caso de Foz Côa também só há dois ou três "culpados", igualmente fichados...).

2) Já se questionaram por que é que é precisamente nos países mais desenvolvidos economicamente (vulgo "mais ricos", nos quais as pessoas pagam mesmo os seus impostos e etc.) que o património (geológico, arqueológico, artístico, histórico, etc.) é mais acarinhado e mais activamente preservado? Nunca vos passou pela cabeça que pode ser a cultura (o nível cultural do país) que impulsiona, que potencia o desenvolvimento económico e não o contrário? Como já alguém disse: "A diferença entre dinheiro e cultura é a que a cultura pode dar dinheiro, mas o dinheiro não dá cultura"! Apenas dois exemplos. Nos EUA gastam-se rios de dinheiro para preservar vestígios históricos da época colonial com apenas 250 anos! (O que são 250 anos comparados com o Paleolítico ou mesmo o Neolítico!?) No Japão criaram um popularíssimo (e caríssimo) museu de Paleontologia em torno de dois tiros de pedreira que em tempos se julgou serem pegadas de dinossáurio? Serão eles burros? Esbanjadores? É por isso que não têm estradas condignas? Foi por isso que deixaram de enviar sondas a Marte? Muito pelo contrário!
Dá que pensar, não é?
Cumprimentos,

Carlos Marques da Silva - Univ. de Lisboa (Abril/2001)


Carlos Marques da Silva escreveu:

1) Questiona-se a justeza da aplicação de "tanto" dinheiro na salvaguarda de pegadas de dinossáurio ou de gravuras rupestres, tanto umas como outras, digam o que disserem com inegável valor científico e cultural, tenham que idade tiverem! (Pelo que são, mas sobretudo pelo que representam enquanto exemplos de salvaguarda do património nacional.) O que são essas quantias comparadas com o que anualmente se perde por fuga ao fisco, por dívidas à segurança social, por perda de recursos e de força de trabalho devido a acidentes laborais e rodoviários, por buracos orçamentais de obras megalómanas e de futuro incerto? Argumentar que "o dinheiro das pegadas" faz falta ao País é falacioso. O que faz falta ao País são as centenas de milhões de contos que fica todos os anos, ilegalmente, nos bolsos de meia dúzia em prejuízo de todos. Mas claro que é bem mais fácil apontar o dedo às pegadas. É que no caso das pegadas, parece que só há um "culpado", o seu nome é bem conhecido e, além do mais, não tem milhares de adeptos ao berros num estádio a aplaudi-lo (no caso de Foz Côa também só há dois ou três "culpados", igualmente fichados...).

Há aqui um equivoco qualquer. As pegadas de Carenque e as gravuras de Foz Coa têm mais interesse lúdico do que científico. Servem mais para romarias do que para inovar ou acrescentar conhecimento científico. Quando muito são um pretexto para se falar de ciência ou de história a alguém. Ora, a ciência está para além disto.

Não questionei a justeza, mas sim a inconsequência da aplicação de um milhão. O que faz falta ao país é que cada tostão seja devidamente aplicado, de modo ponderado, planeado e estratégico. Mais fundamentação da decisão, menos emoção na pedinchice. Mais responsabilização pelo destino das massas. É preciso uma certa lata (ou capacidade de peditório) para mobilizar meio mundo porque é preciso só 1.500.000 de contos... e depois volta-se à carga a pedir mais 700.000 contos. Mais valia ter logo pedido 2.200.000 contos para fazer a coisa com cabeça, tronco e membros. O que critico é levar-se as pessoas a crer que com 1.500.000 contos se tinha feito uma grande operação de salvação de pegadas... e afinal, agora, vem-se a saber que foi tudo em vão, as pegadas estão atulhadas e se forem desatulhadas correm o risco de se esboroar. As pegadas, coitadas... não sabem berrar, e tanto se lhes dá.

Mas falo disto, só, porque aqui não fará muito sentido falar dos paquetes de luxo alugados pelos gestores da Expo, sabe-se lá para quê... Exemplos de esbanjamento da fortuna que os portuguese entregam ao Estado há aos milhares. É só ir a pensar um bocadinho, olhar em volta, e logo eles aparecem em catadupa.

2) Como já alguém disse: >"A diferença entre dinheiro e cultura é a que a >cultura pode dar dinheiro, mas o dinheiro não dá cultura"!

Claro. Basta um bocadinho de tino para fazer obras com cabeça, em vez de esburacar e tapar 3 vezes a estrada: 1 para por o telefone; outra para por o gás; outra para por o esgoto. Mais tarde esburaca-se para passar o metro de superfície, e talvez ainda outra vez para mudar o cabo telefónico para fibra óptica. De qualquer modo, é óbvio que se o Estado (e toda a gente) for mais eficiente a gastar o dinheirinho que custa tanto a todos ganhar, talvez sobre algum para se fazerem mais bibliotecas, teatros e cinemas... e se possam comprar mais alguns livros ou CDs. Neste caso o dinheiro dava cultura!! E até talvez para salvar mais umas pegadas...

Apenas dois exemplos. Nos EUA gastam-se rios de dinheiro para preservar vestígios históricos da época colonial com apenas 250 anos!

Muitas vezes por multimilionários lunáticos que querem deixar o nome ligado a qualquer manifestação erudita de cultura... Ou então por alguma empresa poluidora que quer dar uma de apoio à cultura da população. Se é que não se trata de lavagem de dinheiro. E sabem quanto é que o Bill Gates dá de dádivas anualmente? Por acaso cá (ou talvez não), os jogadores da selecção nacional fizeram uma vaquinha da última vez que estiveram juntos... e lá arranjaram 10.000 contitos para as vitimas da ponte de Castelo de Paiva. Neste caso o dinheiro a mais dos futebolistas também deu cultura, porque solidariedade é cultura!

Mas essa boca dos 250 anos é foleira... porque eles lá, quando salvam esses vestígios históricos, não se põem a enganar ninguém dizendo que são paleolíticos!!

(O que são 250 anos comparados com o Paleolítico >ou mesmo o Neolítico!?) No Japão criaram um >popularíssimo (e caríssimo) museu de Paleontologia>em torno de dois tiros de pedreira que em tempos se julgou serem pegadas de dinossáurio? Serão eles burros? Esbanjadores?

É muito mau argumento, desculpar eventuais erros com exemplos de erros dos vizinhos!!

Dá que pensar, não é?

Dá! Vale sempre a pena pensar, e nunca é demais...

Saudações (sonolentas).
Ps. Todas as horas são boas para pensar! Aconselho também uma consultazinha ao site do ciberdúvidas

Paulo Legoinha - Univ. Nova de Lisboa (Abril/2001)


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Há aqui um equivoco qualquer. As pegadas de Carenque e as gravuras de Foz Coa têm mais interesse lúdico do que científico. Servem mais para romarias do que para inovar ou acrescentar conhecimento científico. Quando muito são um pretexto para se falar de ciência ou de história a alguém. Ora, a ciência está para além disto.

Mas quem faz ciência não se pode fechar, só dar a conhecer o que faz na comunidade, e tanto as pegadas como as gravuras são coisas que o comum dos mortais percebe facilmente e consegue apreciar... Neste caso o interesse é ludico=pedagogico=sensibilizar as massas (o povaréu) para o que se faz em ciência com coisas palpáveis e até interessantes. Temos de justificar investimentos feitos em ciências que se formos a ver não dão rendimentos materias, só culturais... que apenas são visíveis quando divulgados ás massas com coisas que elas compreendam.

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Muitas vezes por multimilionários lunáticos que querem deixar o nome ligado a qualquer manifestação erudita de cultura... Ou então por alguma empresa poluidora que quer dar uma de apoio 'a cultura da população. Se e' que não se trata de lavagem de dinheiro. E sabem quanto e' que o Bill Gates da de dádivas anualmente?

Mas dá...

Por acaso cá (ou talvez não), os jogadores da selecção nacional fizeram uma vaquinha da última vez que estiveram juntos... e lá arranjaram 10.000 contitos para as vitimas da ponte de Castelo de Paiva. Neste caso o dinheiro a mais dos futebolistas também deu cultura, porque solidariedade é cultura!

Quantia *ridícula* para os salários astronómicos que recebem, se formos a ver bem, isso é quase gozar com as pessoas!! Só espero que os coitados não passem fome por falta desse dinheiro...
Tadinhos...

Dá! Vale sempre a pena pensar, e nunca é demais...

E de que maneira!!!

Inté
Duarte Soares
- Univ. de Lisboa (Abril/2001)


Caríssimos,
Após ler as EXCELENTES reflexões do Paulo Legoinha, permitam-me umas notas:

  1. Não sei exactamente qual o ACRÉSCIMO de despesas na estrada para fazer o túnel, mas tenho a certeza que está muito longe do 1 milhão de contos.
  2. Contesto a análise e decisão casuísticas de despesas, projectos, etc., mas
  3. Reconheço que as guerras se ganham mais facilmente com heróis que passem por processos de mitificação, como eventualmente será o caso.
  4. A posição anti-mito do MST é defensável em abstracto, mas o artigo transpira iconoclastia, com os perigos de se tornar um mito de sinal contrário, destruindo parte do (ainda reduzido) trabalho de sensibilização para a geologia e a paleontologia em geral, e para a conservação do património geológico em particular.
  5. A Conservação é apenas um primeiro passo, passando-se depois, mais tarde ou mais cedo, para a valorização (científica, pedagógica, promocional, turística, cultural, etc., etc.), mas sem este passo, nenhum dos outros acontece... verdade?

Jorge M. L. Dinis - Univ. de Coimbra (Abril/2001)


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