Lagunas costeiras são zonas deprimidas, abaixo do nível médio
de preia-mar de águas vivas, com comunicação efémera ou permanente
com o mar, do qual estão protegidas por um tipo qualquer de barreira.
Apesar de grande parte das lagunas se posicionar com o eixo maior
paralelo ao litoral, nos locais onde vales fluviais foram inundados
como consequência da subida do nível do mar durante o Holocénico
ou onde pequenos estuários foram bloqueados por pequenas barreiras,
elas situam-se perpendicularmente ou obliquamente à linha de costa.
As lagunas costeiras ocupam 13% do litoral mundial, distribuindo-se
desde as zonas tropicais até aos pólos, essencialmente em regiões
microtidais e mesotidais. Na Europa, apenas 5% do litoral se insere
nesta categoria, sendo o continente com menor proporção de lagunas
costeiras. No litoral português, com uma extensão de aproximadamente
800 Km, muito diversificado em termos morfológicos, podemos salientar
as lagunas costeiras localmente conhecidas como: Barrinha de Esmoriz,
Ria de Aveiro, Concha de S. Martinho do Porto, Lagoa de Óbidos,
Lagoa de Albufeira, Lagoa de Melides, Lagoa de Sto André, Ria
de Alvor e Ria Formosa. O Quadro I resume algumas das características
fisiográficas destes ambientes lagunares, as quais, como se pode
observar, são bastante variadas.
As lagunas costeiras são ambientes em constante evolução natural.
É de consenso geral que a maioria das lagunas actuais tiveram
origem em estuários ou planícies costeiras formadas durante a
transgressão flandriana ou seja, a subida generalizada do nível
do mar desde -140m-120m há 18000 anos atrás até à cota actual
atingida há aproximadamente 3000-5000. É o caso das lagunas de
Óbidos, Albufeira, Melides e Santo André. O estado lagunar (através
da criação de uma barreira por deriva litoral) ter-se-á definido
há 5000-7000 anos atrás, quando a velocidade de subida do nível
do mar diminuiu. Efectivamente, durante as fases trangressivas,
o desenvolvimento de uma barreira na zona de embocadura dos estuários
apenas é possível se a taxa de sedimentação fôr superior à taxa
de subida do nível do mar; para que isso realmente aconteça, são
necessárias fases de relativa estabilidade do nível marinho ou
mesmo pequenas regressões. Uma vez formadas, as barreiras mantém-se,
mesmo em regime transgressivo, se as quantidades de materiais
disponíveis forem suficientes para que o balanço mantenha um valor
positivo, podendo ocorrer migração destas para terra.
Quadro I - Características fisiográficas das principais lagunas
do litoral português
Laguna
|
Área da bacia hidrográfica (km2)
|
Área da laguna (km2)
|
Profundidade máxima aproximada (m)
|
Situação da(s) barra(s)
|
Esmoriz
|
74
|
0.9
|
2
|
uma barra arenosa, completamente fechada, a qual é aberta artificialmente
e assim permanece durante algum tempo (a)
|
Aveiro
|
3109 (b)
|
115 (b)
|
10 - 12 (b)
|
uma barra arenosa, aberta, fixada artificialmente por estruturas
rígidas (b)
|
S. Martinho do Porto
|
|
0.8
|
2.3
|
uma barra rochosa, aberta
|
Óbidos
|
440
|
6
|
4.5
|
uma barra arenosa, completamente fechada, a qual é aberta artificialmente
e assim permanece durante algum tempo
|
Albufeira
|
106
|
1.6
|
>15
|
uma barra arenosa, completamente fechada, a qual é aberta artificialmente
e assim permanece durante algum tempo
|
Melides
|
56
|
0.4
|
2
|
uma barra arenosa, completamente fechada, a qual é aberta artificialmente
e assim permanece durante algum tempo
|
Santo André
|
140 (e)
|
2.3 (e)
|
2.5 (e)
|
uma barra arenosa, completamente fechada, a qual é aberta artificialmente
e assim permanece durante algum tempo
|
Alvor
|
250 (e)
|
4
|
-
|
uma barra arenosa, aberta, fixada artificialmente por estruturas
rígidas
|
Ria Formosa
|
740 (e)
|
84 (d)
|
5 - 7 (d)
|
6 barras arenosas, abertas, das quais duas estão fixadas artificialmente
por estruturas rígidas (d)
|
(a) Prates et al. (1989); (b) Teixeira (1994); (c) Cabral et al. (1989); (d) Andrade (1990); (e) Matos (1991)
Os estudos existentes acerca da evolução holocénica dos sistemas
lagunares do litoral português são escassos. Em relação às lagunas
de Albufeira, Melides e Santo André, podem citar-se os trabalhos
de Queiroz & Mateus (1994), Queiroz (1984, 1985, 1989) e Mateus
(1985, 1989, 1992) de índole palinológica e Freitas et al. (1993), Andrade & Freitas (1993), Freitas & Andrade (1995 b)
e Freitas (1995), de índole sedimentológica. Neles se faz referência
à existência da barreira desde 7000 BP e ao fecho completo desta
de modo a isolar completamente a laguna do oceano desde pelo menos
cerca de 5000 BP.
Uma vez formados, o comportamento evolutivo dos sistemas lagunares
é fortemente condicionado pela variação dos níveis do mar e pela
quantidade de sedimentos disponíveis, a qual é responsável não
só pelo assoreamento na laguna como pela evolução da barreira.
A evolução das lagunas dá-se, pois, no sentido do assoreamento
destes ambientes e da sua redução quer em termos de área ocupada
quer em termos de profundidade. E assim, actualmente, temos exemplos
de lagunas em diferentes graus de evolução, desde sistemas de
dimensões apreciáveis até lagunas completamente assoreadas. No
que diz respeito às lagunas de Óbidos, Albufeira, Melides e Sto
André, estas ocupam extensões muito reduzidas, menores que 6 km2 e exibiriam naturalmente (à excepção da Lagoa de Albufeira) profundidades
médias inferiores a 2m. As respectivas barreiras só permitiriam
trocas de água doce-água salgada quando a sobreposição das condições
hidrológicas e do estado do mar permitissem naturalmente a abertura
de uma barra.
A origem dos sedimentos que colmatam as lagunas é diversa, provindo
estes essencialmente de três fontes principais:
- uma fonte marinha, entrando os materiais na laguna essencialmente
através da barra de maré e por episódios de galgamento; os sedimentos
com esta origem, ficam restritos às proximidades da embocadura
sob a forma de deltas de enchente activos ou bancos de areia que
derivam de deltas de enchente desactivados e de porções distais
de depósitos de galgamento. Como as lagunas de Óbidos, Albufeira,
Melides e Santo André têm dominância de enchente (ou seja, a duração
da enchente é inferior à da vasante e por isso a sua velocidade
é maior), esta tem maior capacidade de transporte e os sedimentos,
uma vez veiculados através do canal para o interior da laguna,
só em parte voltarão a sair, tendo como consequência o assoreamento;
- uma fonte continental, através da descarga das linhas de água
que drenam as lagunas, da erosão e escorrência directa das margens
e do transporte eólico; os materiais mais grosseiros depositam-se
em leques aluviais na foz das ribeiras e nas margens lagunares,
sendo os materiais mais finos transportados em suspensão e depositados
a maiores profundidades; obtém-se, assim, uma organização sedimentológica
de forma concêntrica, com os materiais essencialmente arenosos
na zona da embocadura lagunar e nas margens e os sedimentos essencialmente
vasosos nas zonas centrais, mais profundas;
- uma última fonte deriva da actividade química e biológica da
laguna; este tipo de sedimentos formam-se por precipitação química,
tais como carbonatos e evaporitos ou pela acumulação de matéria
orgânica.
Trabalhos de índole morfossedimentológica sobre sistemas lagunares
portugueses, são citados na bibliografia (ver Referências Bibliográficas).
De forma natural, as lagunas costeiras, mais ou menos rapidamente,
transformar-se-iam em pântanos, se a mesma tendência de subida
eustática e regime sedimentar se mantiver. No entanto, a intervenção
antrópica, que por um lado acelera o processo de assoreamento
através de intervenções na bacia hidrográfica que conduzem a uma
maior produção de sedimentos (desflorestações, por exemplo), por
outro inverte a situação ao intervir nas lagunas através de dragagens
efectuadas para aumentar a sua profundidade, prolongando a sua
vida. E assim, a colmatação total das áreas lagunares, destino
último de todas elas, vai sendo adiada. Nas Lagoas de Óbidos,
Albufeira, Melides e Sto André, a barra é aberta, em regra com
periodicidade anual, por meios artificiais, pelo menos desde o
século XIV, com a finalidade de renovar as águas interiores e
drenar os campos próximos para serem utilizados na agricultura.
A influência humana pode alterar inclusivamente de forma significativa
a paisagem original, com a construção de marinas, portos, pisciculturas.
As lagunas costeiras, sistemas de transição entre os domínios
oceânico e terrestre, são ambientes complexos pela multitude de
factores aí actantes e interdependência entre eles. Inegavelmente
consideradas áreas de grande riqueza económica e de valor social
e ecológico notável, têm sido, nos últimos anos, alvo de preocupações
crescentes quer por parte das autoridades locais, quer por parte
das organizações ambientalistas, quer por parte da comunidade
científica. No entanto, as soluções encontradas para os diversos
problemas que enfrentam, nem sempre são as mais adequadas porque
raramente bem fundamentadas em estudos especializados. A conscencialização
de que as potencialidades destes ambientes apenas podem ser correctamente
avaliadas e utilizadas com um conhecimento profundo não só dos
processos actuais que aí operam mas igualmente do seu comportamento
evolutivo, tem conduzido a um interesse crescente por estas áreas,
que esperamos se intensifique no futuro imediato.
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