O Terciário da bacia do Sado. Sedimentologia e análise tectono-sedimentar
Pimentel, N.L.
Tese de Doutoramento, 1997, Universidade de Lisboa, pp.381
Resumo:
Abstract

Este trabalho encontra-se dividido em três partes, correspondendo a primeira à apresentação da área estudada e do âmbito do estudo levado a cabo, a segunda ao estudo sedimentológico das diferentes unidades litostratigráficas definidas, e a terceira parte à integração dos elementos anteriormente apresentados num contexto tectono-sedimentar à escala regional.

Na primeira parte são apresentados os objectivos e metodologia do estudo dos sedimentos terciários da bacia do Sado, após o que se efectua uma resenha bibliográfica dos trabalhos anteriores existentes naquela região. Posteriormente, estabelece-se o enquadramento regional da área estudada, descrevendo-se as unidades litológicas presentes, bem como as principais características das unidades geomorfológicas ali definidas.

A segunda parte do trabalho constitui a sua parte mais extensa, nela sendo apresentados com detalhe os resultados do estudo sedimentológico dos depósitos de cada uma das unidades litostratigráficas definidas no preenchimento sedimentar da Bacia do Sado. Cada unidade é inicialmente apresentada e definida em função dos trabalhos anteriores e das observações mais recentes, seguindo-se o seu estudo, dividido em dois pontos: estudos no terreno, incluindo a descrição e interpretação de cortes, sequência e perfis, bem como de dados provenientes das sondagens existentes na região; e estudos laboratoriais, incluindo o conjunto de técnicas de análise sedimentológica mais habituais. No final de cada unidade, apresenta-se uma integração dos dados e uma síntese do estudo efectuado, reconstituindo-se os processos que estiveram na sua génese e a respectiva paleogeografia.

No preenchimento sedimentar da Bacia do Sado, definiram-se as seguintes quatro unidades com características distintas:

i) Formações terciárias basais (Formação de Vale do Guizo e de Ervidel)

Depósitos detríticos geralmente grosseiros e imaturos, com importantes marcas diagenéticas, sendo a sua carbonatação de origem essencialmente freática. Correspondem a materiais de leque aluvial acumulados em áreas deprimidas adjacentes a relevos vigorosos, em condições climáticas quentes e semi-áridas. A reconstituição paleogeográfica aponta para um levantamento da áreas a leste da Bacia do Sado, associado à movimentação de dois acidentes principais (Falha do Torrão e da Messejana), originando duas bacias autónomas, com acarreios e configurações distintas (Fig. 31).

ii) Formação de Esbarrondadoiro

Inclui depósitos de fácies marinha, cuja fauna abundante permitiu a sua datação rigorosa. No entanto, a maioria dos sedimentos apresenta fácies ou forte influência continental, indiciando um carácter litoral. No bordo meridional da Bacia do Sado, foi definido um Membro Inferior exclusivamente continental, gerado na dependência de uma movimentação da Falha da Messejana, com características de leque aluvial conglomerático desenvolvido em clima quente e sub-árido (Fig. 45). Posteriormente, toda a Bacia foi invadida por uma ingressão marinha, a qual terá penetrado por uma estreita faixa entre os acidentes de Grândola e do Torrão, estendendo-se para o interior até às proximidades de Alvalade-Canhestros e constituindo assim um golfo restrito com constantes acarreios terrígenos provenientes das áreas emersas a leste (Fig. 46).

iii) Formação de Alvalade

Depósitos areno-conglomeráticos de coloração alaranjada, com estruturas e fácies fluviais, presentes no topo do preenchimento terciário em quase toda a Bacia do Sado. Traduzem uma rede de drenagem entrançada, com estabilização progressiva, carreando os materiais das áreas elevadas a leste para o litoral atlântico a NW. A reconstituição paleogeográfica atesta a inexistência da Serra de Grândola, então circunscrita a um pequeno relevo na sua actual extremidade setentrional (Fig. 55).

iv) Formação de Panóias

Depósitos argilo-conglomeráticos fortemente ferruginizados, presentes quer sobre o substrato paleozóico aplanado a S da Bacia do Sado, quer sobre os materiais terciários do bordo meridional desta. Correspondem a depósitos de longos leques aluviais desenvolvidos a partir da serra do Caldeirão (50 Km a S da bacia), em condições climáticas quentes e semi-áridas (Fig. 66). Os materiais foram posteriormente sujeitos a um encouraçamento ferruginoso de aparência laterítica, testemunhando uma atenuação da aridez. Esta unidade define uma extensa superfície sub-horizontal, posteriormente afectada por importantes movimentações neotectónicas, nomeadamente de subsidência da parte meridional da Bacia do Sado.

 

Na terceira parte deste trabalho procede-se à tentativa de correlação e datação destas unidades, com base em raciocínios de ordem tectono-sedimentar. Para tal, apresenta-se a comparação sistemática com a evolução e as rupturas definidas noutras bacias terciárias portuguesas, em especial a S da cordilheira central (Quadro I). Esta metodologia permitiu o enquadramento estratigráfico das quatro unidades, bem como a sua integração no contexto mais geral da evolução terciária ibérica (Quadro II). Concretamente, obtiveram-se as seguintes indicações:

i) As Formações terciárias basais são atribuídas à ruptura do Eocénico médio, associada à fase pré-pirenaica da compressão alpina orientada NNE-SSW, provocando o rejogo terciário dos principais acidente tardi-hercínicos regionais (Falhas do Torrão, Grândola e Messejana). Estas movimentações originaram a Bacia do Torrão, basculante para SW, e a Bacia da Messejana, com pendor para NW. O preenchimento por depósitos de leque aluvial atingiu cerca de uma centena de metros de espessura, valor que poderá ser aproximado ao da respectiva subsidência média.

ii) O Membro Inferior da Formação de Esbarrondadoiro constitui a resposta sedimentar à fase bética da orogenia alpina (Tortoniano superior), com a compressão orientada perpendicularmente à falha da Messejana e provocando o rejogo do sistema de acidentes associado a esta, desenvolvendo-se os respectivos leques aluviais grosseiros, com espessura superior a meia centena de metros. A continuação da tendência subsidente da Bacia do Sado permitiu no Messiniano a entrada de um braço de mar pela extremidade setentrional da Bacia, penetrando por um golfo restrito e de características costeiras, traduzido no Membro Superior da Formação de Esbarrondadoiro.

iii) Os depósitos da Formação de Alvalade correspondem ao levantamento generalizado do território (fase ibero-manchega I) e instalação de uma rede fluvial exorreica à escala ibérica, no Pliocénico superior. Além das causas tectónicas, será também de invocar condições favoráveis de ordem climática (clima mais húmido) e eustáticas (ciclo transgressivo 3.7). A drenagem do Baixo Alentejo ocidental para NW configura uma morfologia essencialmente aplanada e aberta ao Atlântico, bem distinta da actual.

iv) A Formação de Panóias constitui um depósito do tipo raña, similar a outros que se encontram por toda a península Ibérica. A sua génese está associada a uma crise climática e tectónica ocorrida no final do Pliocénico, correspondendo à fase ibero-manchega II da orogenia alpina. Os depósitos de leque aluvial cobriram tabularmente grande parte do Baixo Alentejo ocidental, servindo de referência para a quantificação da subsidência neotectónica da Bacia do Sado, da ordem de uma centena de metros. Além desta subsidência ocorreram levantamentos de igual amplitude, nomeadamente das serras litorais (Grândola e Cercal).

Estas quatro unidades traduzem assim quatro etapas evolutivas da Bacia terciária do Sado, designadas de A a D, cujo controlo foi de natureza essencialmente tectónica, em relação com a resposta dos principais acidentes que controlam a bacia às sucessivas fases compressivas da orogenia alpina na Península Ibérica (Figs. 71 e 72). Estas etapas são correlacionadas com as rupturas definidas por Cunha (1992) e por Calvo et al. (1993), bem como com as respectivas "sequências limitadas por descontinuidades" (SLD 7, SLD11, SLD13 e SLD14) (Quadro II). Por seu lado, a assinatura climática é bastante notória nos diversos depósitos, manifestando-se também na natureza e intensidade dos fenómenos diagenéticos, enquanto o eustatismo parece jogar um papel algo secundário traduzindo um carácter predominantemente interior desta bacia do SW ibérico (Quadro III).

 

The Tertiary of the Sado basin (SW Portugal). Sedimentology and tectono-sedimentary analysis

Abstract: This work is divided into three parts, corresponding the first to the presentation of the subject and study-area, the second to the sedimentological analysis of the different litostratigraphical units, and the third part to the integration of these data into a regional-scale tectono-sedimentary context.

The first part includes the presentation of the methodology and aims of this work, as well as a summary of previous works on the area. The regional framework presents the main geological units and the geomorphological outlines in the study-area.

The second part is the core of this work, including the detailed presentation of the results of the sedimentological study of each of the Sado basin's litostratigraphical units. Each unit is accurately defined, previously to the presentation of the field (outcrops, sequences, logs and boreholes) and laboratorial data. These elements are put together into a final synthesis of processes and paleogeographic reconstruction for each unit. Four units have been distinguished in the Sado basin:

i) Basal tertiary formations (Vale do Guizo and Ervidel Formations)

Imature and mainly coarse detrital deposits, exhibiting important diagenetic features, including phreatic carbonates. They correspond to alluvial-fan materials, accumulated in depressed areas adjacent to vigorous mountains, under hot and semi-arid climatic conditions. Paleogeographic reconstruction indicates an up-lift of the areas to the east of the Sado Basin, associated to the activation of two main accidents (the Torrão and Messejana faults), leading to the formation of two autonomous basins, with distinct geometries and fillings (Fig. 31).

ii) Esbarrondadoiro Formation

It includes marine facies deposits which have allowed an accurate datation (Messinean). However, the major part of the deposits presents a strong continental influence or facies, indicating a littoral environment. On the Sado basin's southern edge, an exclusivelly coarse continental Lower Member corresponds to the development of alluvial-fans in response to the activation of the Messejana fault-scarp, under hot and sub-arid climatic conditions (Fig. 45). Later, the Sado basin has been invaded by a marine transgression, penetrating from the NW (between the Torrão and Grândola faults) and reaching the the inner part of the basin, at the Alvalade-Canhestros region. The paleogeographic reconstruction for this Upper Member corresponds to a narrow and shallow marine gulf, with continuous terrigeneous contributions from the eastern emerged areas (Fig. 46).

iii) Alvalade Formation

Sandy-conglomeratic deposits with fluvial structures and facies, corresponding to the final stage of the filling-up of the basin in most of it's extension. The deposits indicate the existence of a highly active braided network, carrying materials from the eastern elevated areas into the western atlantic coastline, with a time-increasing stability of the drainage and sedimentation. The Grândola-mountain should by then be just a restricted elevation at the center of the basin.

iv) Panóias Formation

Strongly ferruginated muddy-conglomeratic deposits, covering the palaeozoic rocks south of the Sado basin, locally reaching and covering the tertiary filling of that basin. These up to 50 km long alluvial-fan deposits have been developped under hot semi-arid climatic conditions, associated to the up-lifted Caldeirão-mountain. The deposits were then affected by an intese lateritization, under less arid conditions. This unit defines an extense sub-horizontal surface, later affected by neotectonic dislocations, namely an important subsidence of the Sado basin's southern part.

 

The third part of this work presents an attempt to correlate and date these four litostratigraphical units, taking as a first approach the systematic comparison with the evolution of the main portuguese tertiary basins (Chart I) and major breaks in the iberian range (Chart II). This methodology has allowed the stratigraphical framing of the four units, as well as their integration in the larger context of the iberian tertiary evolution. The following conclusions have been attained:

i) The basal tertiary formations correspond to the Middle Eocene break, related with the pre-pyrenean phase of the alpine orogeny. The NNE-SSW orientated compression led to the reactivation of the main regional late-hercynean accidents (Torrão, Grândola and Messejana faults). These movements originate the SW dipping of the Torrão-basin and the NW dipping of the Messejana basin. The filling by alluvial-fan deposits has reached a thickness of about one hundred meters, which can be taken as an estimate of the average eocene subsidence of the basin.

ii) The Lower Member of the Esbarrondadoiro Formation corresponds to the sedimentary response to the betic phase of the alpine orogeny (Upper Tortonian), with a compression orientated perpendicularly to the Messejana fault, leading to the recativation of other major accidents and to the developpment of coarse alluvial fans, over 50 meters thick. A continuing subsident tendency of the basin allowed the penetration of sea-influences from the NW during messinean times, originating a restricted marine gulf with mainly coastal facies.

iii) The Alvalade Formation deposits correspond to the uplifting of the iberian territory, associated with the iberia-mamchega phase I, leading to the developpmente of an exorreic iberian drainage network, during the Upper Pliocene. Beside tectonical causes, also the climate (more humid conditions) and marine eustasy (transgressive cycle 3.7) may have played an important role in this event. The pliocene drainage of the Sado basin is associated with a regionally plain landscape, open to the Atlantic towards NW and quite distinct from the present one, in which the Grândola mountain is uplifted between the basin and the sea (Fig. 55).

iv) The Panóias Formation is similar to other Raña-deposits from all the Iberian Peninsula, being therefore associated to a Late Pliocene climatic and tectonic crisis (ibero-manchega II phase). The alluvial-fan deposits have covered a large part of south-western Portugal, allowing to take them as an accurate morphological reference to neotectonic quantifications (Fig. 66). Besides a subsidence of over hundred meters of the Sado basin, similar up-liftings have taken place around the basin (Grândola and Cercal mountains, for example) over the last 2 M.A..

These four units correspond to four stages (named from A to D) on the Sado tertiary basin's evolution, mainly controled by tectonic events in association with the succession of compressive phases of the alpine orogeny in Portugal (Figs. 71 e 72). These stages are correlated with the major iberian sedimentary breaks (Cunha, 1992; Calvo et al., 1993), and with the regional "unconformity bounded sequences" (UBS7, UBS11, UBS13 and UBS14; Cunha, 1992) (Chart II).The climatic signature on the deposits is quite significant, namely on the intensity and type of diagenetic features, playing eustasy a secondary role on this southwestern iberian interior basin (Chart III).

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