Extinção dos grandes animais da Pré-História - O Assassino da Avestruz

CLARA BARATA, Jornal Público (8 de Janeiro de 1999)

Há 50 mil anos, a Terra estava povoada por animais enormes, como mamutes e tartarugas com cornos, do tamanho de um Volkswagen Carocha. Mas estes gigantes extinguiram-se há dez mil anos, e ninguém sabe exactamente porquê. Uma investigação feita na Austrália indicia um culpado, ao provar que foi a chegada dos homens ao continente que provocou a extinção de uma espécie de avestruz gigante.

Uma espécie de avestruz gigante, de cem quilos, que vivia na Austrália, extinguiu-se há cerca de 50 mil anos, quando os seres humanos chegaram à ilha-continente do Pacífico. Esta coincidência temporal levou uma equipa de cientistas, liderada pelo norte-americano Gifford Miller, da Universidade do Colorado, a concluir que o desaparecimento destas aves - enquadrado na extinção em massa de grandes animais como os mamutes - foi provocado pela acção humana.

A análise de milhares de cascas de ovos do "Genyornis newtoni" mostrou que o seu desaparecimento se deu há cerca de 50 mil anos, na mesma altura em que os primeiros colonos humanos chegavam à Austrália e desbravavam o terreno com grandes queimadas. "Os incêndios podiam ser ateados por uma série de razões diferentes, para fazer sair os animais dos seus refúgios, limpar os terrenos de vegetação, provocar o nascimento de plantas, ou até para sinalizar a presença do grupo", explicou ao PÚBLICO Gifford Miller.

Ao atear estes incêndios, os humanos provocaram o desaparecimento de vastas zonas de arbustos - que eram a base da alimentação do "Genyornis newtoni". "A nossa hipótese de trabalho é a de que a área de vegetação baixa foi a que sofreu um maior impacte da acção humana", diz Miller. As emas, que já existiam nessa altura e viviam perto dos seus primos maiores, tinham uma base alimentar mais vasta, pelo que não se ressentiram tanto com estas queimadas e sobreviveram até à actualidade.

Mas o "Genyornis newtoni" não terá sido a única vítima da colonização humana: "Mais de 85 por cento dos animais terrestres da Austrália com uma massa corporal superior a 44 quilos extinguiram-se no final do Plistocénio [um período geológico que durou cerca de 1,5 milhões de anos e terminou há cerca de 10 mil anos]", escreve a equipa de Miller no artigo que hoje faz a capa da revista "Science". Entre estes havia alguns animais que hoje nos parecem verdadeiramente exóticos, como tartarugas com cornos e do tamanho de um Volkswagen Carocha ou cangurus carnívoros gigantes, embora a maioria fossem marsupiais (mamíferos com bolsas no abdómen onde carregam as crias).

Noutros pontos do planeta ocorreu um fenómeno semelhante de extinção em massa: nas Américas e em muitas ilhas oceânicas foi também muito severa, na Europa mais moderada e praticamente inexistente nos oceanos, em África e Sudeste Asiático. Mas foi na Austrália que o desaparecimento dos grandes animais foi mais dramático e numa altura em que as condições climáticas não eram particularmente graves. E, tal como na América, começou na altura em que chegaram os primeiros homens.

Este fenómeno, que se prolongou até há cerca de dez mil anos, coincidiu com quatro glaciações - períodos em que vastas regiões do nosso planeta habitualmente de clima temperado (como o que é hoje o Norte dos Estados Unidos e na Europa) ficaram cobertos por uma espessa camada de neve e gelo. Na América e na Europa, o pico da extinção ocorreu num período compreendido entre os 12.500 e os 11 mil anos.

Mas explicar este fenómeno apenas com as alterações climáticas não é satisfatório. A extinção do "Genyornis newtoni" ocorreu numa altura de relativa suavidade climática. E, como o período em que se agravou a extinção destes grandes animais (conhecidos sob a designação de "megafauna") coincide com o momento do crescimento das comunidades humanas e do nascimento da cultura e da tecnologia (esculturas, pinturas, fabrico de ferramentas e instrumentos musicais), é óbvio relacionar o desenvolvimento humano com o desaparecimento dos animais.

Mas há adeptos das duas teorias: os que defendem que a extinção se deu por causa das alterações climáticas e os que estão convencidos de que foi o homem que, com a caça, provocou o seu desaparecimento. Há também uma terceira corrente, que procura harmonizar as outras duas, repartindo as responsabilidades. Mas a polémica tem permanecido.

No entanto, Timothy Flannery, da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, escreve num comentário que acompanha o artigo da "Science" que o trabalho da equipa de Miller resolve o nó cego em que esta polémica caiu nas últimas décadas, pois provaram a importância do impacte da altura da chegada dos seres humanos neste fenómeno de extinção dos animais de grande porte.

"Não tem de haver apenas uma única causa para a extinção dos animais. Mas ao ser possível demonstrar que estas comunidades humanas conseguiram alterar o ecossistema de tal forma que todos os grandes animais foram exterminados com meios relativamente primitivos , poderemos olhar para o que se passou noutras zonas de forma diferente", diz Gifford Miller.

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